Arquidiocese de Mariana, Teologia da Libertação e emergência do Movimento dos Atingidos por Barragens do Alto Rio Doce (MG)

Abstract

Este trabalho analisou as ações de grupos progressistas da Arquidiocese de Mariana durante o arcebispado de Dom Oscar de Oliveira (1959-1988), bem como o processo de transformações pelas quais passou a instituição no sentido de se tornar mais progressista na década de 1990. O objetivo do estudo foi entender como, em um momento em que a cúpula da Igreja Católica procurava diminuir o ativismo político do catolicismo (na década de 1990), a Arquidiocese de Mariana mostrava-se mais receptiva às idéias da Teologia da Libertação. Destacou-se a abordagem teórica da mobilização política como uma vertente explicativa para tratar das transformações progressistas, ideológicas e institucionais na Arquidiocese de Mariana e a influência dessas correntes na mobilização e organização dos atingidos por barragens no Alto Rio Doce e Zona da Mata mineira. Como observado, a Arquidiocese de Mariana foi, e ainda é, uma instituição de grande relevância nacional, podendo ser caracterizada como uma instituição conservadora e aliada da elite brasileira até os anos de 1980, momento em que se criou uma oportunidade política que facilitou a emergência de idéias progressistas, na medida em que grupos de católicos que se identificavam com as posturas progressistas da Igreja Católica mobilizaram-se no sentido de promover idéias religiosas progressistas na Arquidiocese. As dificuldades eram grandes, tendo em vista o clero conservador e a população como um todo, que estava acostumada a manifestações religiosas sem manifestações contra o status quo. No entanto, mesmo diante desses constrangimentos, ocorreu uma convergência dos processos de redemocratização do país na década de 1980, pela difusão de idéias da Teologia da Libertação por meio das Comunidades Eclesiais de Base e do Mobon na diocese vizinha e de um crescente número de padres em busca de idéias de justiça social. Os grupos progressistas se articularam em redes sociopo- líticas com afinidades pessoais e ideológicas, que se constituíram numa estrutura de mobilização que possibilitou a formação de uma consciência insurgente, a qual fortaleceu a idéia da importante função social da religião e o compromisso de contribuir para uma religiosidade e práticas sociais diferentes. A chegada e a gestão de Dom Luciano proporcionaram a oportunidade política e o espaço institucional que permitiram que essas redes sociopolíticas e ideológicas preexistentes, muitas vezes articuladas às idéias e ações do Mobon, transformassem a Arquidiocese de Mariana numa instituição com idéias e práticas mais progressistas. Portanto, coerentes com a abordagem da mobilização política, os dados indicaram que uma estrutura de oportunidade política favorável propiciou as condições que permitiram o surgimento e a difusão de idéias e práticas religiosas e políticas numa instituição tradicionalmente conservadora; afinidades pessoais e ideológicas e interação de ativistas leigos e religiosos contribuíram para a formação de redes e estruturas de mobilização, que difundiram idéias, práticas e atividades progressistas; processos de framing contribuíram para que os ativistas assimilassem essas idéias progressistas e as aplicassem a uma visão de mundo de uma sociedade nova e mais justa. Por sua vez, a consciência insurgente dos leigos e padres progressistas, no contexto das mudanças na Arquidiocese, contribuiu para a emergência e a consolidação do Movimento dos Atingidos por Barragens do Alto Rio Doce de Minas Gerais.