O dilema das internações psiquiátricas involuntárias: composições entre bioética da proteção e autonomia

Abstract

A assistência psiquiátrica historicamente promoveu a marginalização. Uma nova direção é tomada a partir da reforma psiquiátrica, promovendo o cuidado na comunidade e a valorização da autonomia do paciente. A despeito das leis se adaptarem a essa nova perspectiva de cuidado, com maior valorização dos direitos e da dignidade humana, estudos mostram que a práxis é muito mais complexa, expondo os profissionais que lidam com pacientes psiquiátricos a muitas questões éticas, sobretudo dilemas que envolvem as medidas coercitivas. Esse cenário justifica as inquietações que desenharam esse estudo de natureza qualitativa, que objetivou compreender a percepção dos profissionais de a Rede de Atenção Psicossocial de um município no interior de Minas Gerais, sobre os problemas bioéticos relacionados às internações psiquiátricas não voluntárias; ademais, conhecer os aspectos éticos/bioéticos que envolvem tais internações e propor as ferramentas da bioética no processo de tomada de decisão. Os dados foram coletados por questionário e grupos focais e os resultados foram analisados através da análise de conteúdo de Laurence Bardin. Uma revisão de literatura contribuiu para interpretação e construção das categorias. Como resultados, obteve-se categorias relacionadas à percepção dos profissionais participantes sobre os aspectos bioéticos das internações coercitivas. Emergiram dos questionários as categorias: ética da profissão; ramo da filosofia; conceito abrangente; dificuldade em conceituar; envolvimento da família no cuidado; autonomia do paciente; medidas utilitaristas; alocação de recursos; ética profissional; judicialização do cuidado e medicalização. E as categorias que emergiram dos grupos focais: Ética da profissão; Ramo da filosofia; Dificuldade em conceituar; Envolvimento da família no cuidado; Autonomia do paciente; Medidas utilitaristas; e Beneficência sobrepõe à autonomia. Concluindo, que apesar dos participantes apresentarem dificuldade em transitar pelos conceitos da Bioética, reconhecem problemas Bio(éticos) nas internações involuntárias. Surge ainda, categorias relacionadas à percepção dos participantes sobre a assistência prestada nos serviços que abrangem a rede de atenção psicossocial estudada e a análise temática dos questionários, resultou nas categorias: cabe ao serviço a assistência psiquiátrica; o serviço não está apto à assistência psiquiátrica; o profissional se sente capacitado; dificuldades do profissional; internações voluntárias são necessárias e transgressão de direitos. Como resultado, da análise dos grupos focais, surgiram as categorias: o serviço não está apto à assistência psiquiátrica; dificuldades do profissional; último recurso e deficiência da rede de atenção. Dessa forma, pode-se concluir que a maioria dos participantes enxerga as internações involuntárias de maneira alinhada a outros estudos, mas dão destaque importante à falta de capacitação e formação dos profissionais em saúde mental e na ausência de estrutura e articulação dos serviços. Esse trabalho propõe a bioética como importante suporte na tomada de decisão dos profissionais.

The mental health care has historically been exposed to marginalization. A new direction is taken through psychiatric reform, promoting care in the community and enhancement of patient autonomy. Although laws adapt to this new perspective of care, with a greater appreciation of human rights and dignity, studies show that praxis is much more complex, exposing professionals dealing with psychiatric patients to many ethical issues, especially dilemmas involving coercion measures. This scenario justifies the uneasiness that has shaped this study. It is a qualitative study that aimed to understand the perception of the professionals of the Network of Psychosocial Care of a municipality in Minas Gerais about the bioethical problems related to non - voluntary psychiatric hospitalizations, to know the ethical / bioethical aspects that related such hospitalizations and to propose the Bioethics’ tools in the decision- making process. The method of data collection was an interview followed by focus groups, and the results were analyzed through content analysis of the Laurence Bardin. A literature review contributed to the interpretation and construction of the categories. As results, we obtained categories related to the perception of the participating professionals about the bioethical aspects of coercive hospitalizations. The following categories emerged from the questionnaires: Ethics of the profession; Branch of philosophy; Comprehensive concept; Difficulty in conceptualizing; Family involvement in care; Patient autonomy; Utilitarian measures; Resource allocation; Professional ethics; Judicialization of care; and Medicalization. And the categories that emerged from focus groups: Ethics of the profession; Branch of philosophy; Difficulty in conceptualizing; Family involvement in care; Patient autonomy; Utilitarian measures; and Beneficence overrides autonomy. concluding that although participants have difficulty transiting the concepts of bioethics, they recognize bio (ethical) problems in involuntary hospitalizations. And categories related to the participants' perception of the assistance provided in the services that comprise the studied psychosocial care network, thematic analysis of the questionnaires resulted in the following categories: The service is not fit for psychiatric care; Professional difficulties; Last resort; and the category Network disability. Thus, it could be concluded that most participants see involuntary hospitalizations in line with other studies but highlight the lack capacity building and training of mental health professionals and in the absence of structure and articulation of the services. This paper proposes bioethics as an important support in the decision making of the professionals.