Crime, desastre ou acidente? Disputas narrativas sobre o rompimento da barragem da Samarco

Abstract

O rompimento da barragem de rejeitos da mineradora Samarco, em Mariana (MG), em novembro de 2015, foi o ponto de partida para um desastre ambiental sem precedentes no Brasil e no mundo. Lama foi despejado entre o local de ruptura e a foz do Rio Doce, com inúmeros danos ambientais e sociais. Em Mariana foram atingidas mais de 1.500 pessoas. Dezenove morreram. Populações de áreas rurais como Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo tiveram perdas irreparáveis. Foi enorme a repercussão do fato nos diferentes meios de comunicação. A pesquisa teve como propósito central a realização de uma análise das disputas narrativas sobre o acontecimento relacionado à Samarco, empresa controlada pelas multinacionais Vale e BHP Billiton, em função da intensa cobertura realizada pela mídia, tanto brasileira quanto internacional. Adotou-se como procedimento metodológico a hermenêutica da profundidade para trazer o contexto socio-histórico da mineração em Mariana, as disputas narrativas e, posteriormente, a interpretação delas. Analisou-se os diferentes olhares da mídia hegemônica, nas esferas estadual e nacional - os jornais Estado de Minas e Folha de São Paulo - e da mídia contra hegemônica - o jornal A Sirene - produzido pelos atingidos. Analisou-se, ainda, o jornal produzido pela Fundação Renova. A análise da mídia hegemônica mostra que os jornais Folha de São Paulo e Estado de Minas pautaram seus discursos sobre questões ambientais com foco sensacionalista e fatalista, sem buscar conceituar ou esclarecer sobre os fenômenos. Para atingir maior audiência e captar o máximo de leitores, eles construíram um discurso superficial e sem destaque a pontos importantes sobre o acontecimento e sem transmitir, na mensagem direcionada aos leitores, uma visão crítica do acontecido. A análise dos enquadramentos sobre o rompimento mostra que as funções primordiais do jornalismo ambiental não foram cumpridas em sua totalidade, o que mostra dificuldade dos meios de comunicação em produzir jornalismo ambiental. O jornal A Sirene mostrou ser muito mais do que um meio de comunicação dos atingidos para os atingidos. Por meio de suas “histórias de luto e de luta”, trouxe à tona um sentimento de união e apoio, conseguindo mobilizá-los para mudanças de comportamento e de atitude. Enquanto isso, o jornal da Renova apresenta, de forma implícita e velada, o discurso da Samarco, a despeito de uma alegada neutralidade.

The rupture of the tailings dam owned by Samarco company in Mariana/MG (Nov/2015), triggered an unprecedented environmental disaster. Mud was dumped all the way from the rupture site to the river Rio Doce mouth, causing colossal environmental and social damages. In Mariana, more than 1,500 people were affected. Nineteen died. A few rural communities in the region, like Bento Rodrigues and Paracatu de Baixo, suffered irreparable losses. The repercussion and impact of such a tragic event was huge. In this sense, the main purpose of the present research was to conduct an academic analysis of the conflicting narratives around the episode involving Samarco (which is a company controlled by Vale and BHP Billiton), especially due to its vast media coverage. The work investigated the representation of the happening by the hegemonic media (at a state and national levels) -the Estado de Minas and Folha de São Paulo newspapers, respectively- and the perspectives of the counterhegemonic media -the newspaper A Sirene- which was conceived by those affected by the catastrophe. Furthermore, the newspaper elaborated by the Renova Foundation was also target of this study. The analysis of the discourses on the environmental issues used by the mainstream media exposes that both Folha de São Paulo and Estado de Minas had a fatalistic and tabloid-like character, without seeking to conceptualize or properly clarify the scenario. In order to reach a larger audience and capture as many readers as possible, they constructed a superficial discourse, neglecting and concealing important points about the event. The lack of critical approach attached to the message they broadcasted to the readers was highly alarming. The analysis of the different framings chosen to address the situation shows that the most primary goals of environmental journalism have not been fully met, which by its turn exposes the difficulty the media has in producing [quality] environmental journalism. A Sirene proved to be much more than a means of communication by those affected and for those affected. Through its "stories of mourning and struggle" section, it brought up a common sense of unity and support, and managed to mobilize and equip the impacted individuals for effective changes in attitude and behavior. On the other hand, Renova’s newspaper aligns -in an implicit and veiled manner- with Samarco's discourse, despite its alleged neutrality.